25 de set. de 2017
Por Nathália Bastos

Você Consegue Ver o Sol?



Eu acordei um dia e não conseguia ver o sol.

Sabia que ele estava lá, pois seu toque quente caia em minha pele, produzindo um incômodo palpável. Vi as formas das sombras das casas e das pessoas sobre o chão, movendo-se, mudando de aspecto, crescendo e diminuindo. Entretanto, não conseguia ver o sol.

Por vezes achei que as luzes ultravioletas é que estivessem com defeito, ou que alguém as tivesse roubado. Culpei quem entrasse em meu caminho por ter me roubado o sol, enquanto eles me culpavam por não conseguir vê-lo. “Olha, está aqui, é só olhar!”, disseram. Ao que tudo indicava, era eu que não queria ver, que não me esforçava, que estava defeituosa e quebrada, disfuncional.

Até que eu compreendi que estava incapaz de enxergar o sol. Sim, incapaz. Não adiantava me esforçar, me dedicar, sair caminhar, pensar positivo, eu não iria vê-lo tão cedo, porque algo dentro de mim estava errado, me impedindo de capturar as matizes douradas da luz da grande estrela dos dias.

É fácil entender quando alguém realmente não pode fazer algo que esteja ao alcance dos cincos sentidos. Ver, ouvir, tatear, degustar, cheirar. É fácil se confranger da ausência de luz do sol, quando ela é literal. Mas isso é uma metáfora.

Feliz um infelizmente.

Substitua “Luz do Sol” por uma lista de sentimentos, afazeres, humores e tudo o que puder definir as interações sociais. Substitua “Luz do Sol” por alegria, vida, entusiasmo, esperança, sentido de viver, e releia o texto quantas vezes forem necessárias, porque essa era a minha vida. Quando eu estava doente. Quando eu estava incapaz. Quando eu estava deprimida.

Incapaz de reencontrar meu sentido, de ter esperanças e de perceber o amor e o cuidado das pessoas ao meu redor, eu me pequei vegetando em vida, considerando que não valia a pena existir no mundo quando todos os problemas me perseguiam como monstros dotados de garras pontudas, prontos para me ferir. Lembrava-me claramente dos meus traumas, das coisas em que fracassei e das pessoas que me rejeitaram, e não consegui ver os ganhos que tive, as boas lembranças, as pessoas que me amavam. Por que o Monstro de voz gutural da depressão, estava minguando minha capacidade de ver tudo isso, de ver a luz do sol.

Estou aqui escrevendo esse texto hoje, porque eu venci a maior parte dos meus colapsos depressivos. Há uma enorme diferença entre colapso e tristeza. Colapso é quando seu Eu escorrega pelo vão dos seus dedos e você perde a noção de quem é você e quem é sua doença. Passei por isso três vezes, e não foi fácil. Mas foi possível. E eu digo que venci a maior parte porque eu sei que a traiçoeira depressão pode voltar, e pode me pegar de diferentes formas.

Eu vou vencer cada uma delas.

            A depressão é real; os transtornos de humor são reais. Ansiedade, pânico, fobias.

            Nós não podemos ver, porque eles não causam lesões, não estouram feridas, não são visíveis a olho nu, como uma persa quebrada ou uma deficiência física. Talvez por isso seja tão difícil para as pessoas entenderem que eles existem, e que são tão severos e oferecem tanto risco à vida quanto uma doença viral, bacteriana ou uma falha sistêmica do corpo.

            Olhe ao redor. Tem alguém incapaz de ver a luz do sol perto de você. As estatísticas não mentem. Como qualquer outra doença, os transtornos psicológicos demandam cuidado, afeto, apoio e tratamento médico. Você, que está saudável, pode oferecer isso, pode dar as mãos à pessoa que você ama e ajudá-la a vencer esse mal.

            Ajudá-la a ser a heroína da própria história e poder voltar a ver as cores.

            Consegui vencer um dos meus colapsos lendo livros e escrevendo um meu. Uma história sobre uma garota com depressão que encontra na arte e no amor a saída para sua Vilã Cinzenta (outra das minhas metáforas malucas). Nesse livro, usei o símbolo da minha adolescência, a Libélula, para falar da capacidade que todos guardamos de afugentar nossos fantasmas, sair do nosso exoesqueleto, ou casulo, e voar. As asas da Libélula são maiores que sua prisão, e ela precisa quebrar a pele dura para dar vazão à sua grandiosidade. Essa que, comprimida num espaço tão pequeno, dói, lateja, mata e sufoca aos poucos. Uma vez que a Libélula consiga fazer uma rachadura nesse compartimento, as asas começam a quebrar o restante.

            E ela vai voar. Alto, poderosa e grandiosa.

            Costumo dizer que todos nós, os que sofrem de algum transtorno psicológico, somos libélulas procurando quebrar o casulo e voar. Podemos retornar para ele, mas quando temos liberdade novamente, nossas asas ficam mais e mais fortes.

            Se você conhece uma libélula, é hora de ajudá-la a encontrar o caminho da sua liberdade.

            Muitos transtornos mentais têm cura, outros não, mas podemos controlar seus sintomas e aprender a viver com eles. Busque ajuda, informação e tratamento adequados. É hora de lotar esse mundo de Libélulas, de vencer os tabus sociais em torno dos transtornos metais e encontrar formas de prevenir, tratar e acolher as pessoas que estão sendo marginalizadas e julgadas por ele.

            Eu acredito que podemos vencer não só essas doenças, mas o preconceito e falta de informação. Só depende de nós.


            Abra a sua mente e se permita ver o mundo sob os olhos de quem desaprendeu a ver o sol. 









Juliana Daglio
Autora de Uma Canção para a Libélula e O Lago Negro (série).
            Formada em psicologia pela USC- Bauru

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