17 de mai. de 2018
Por Hugo Vinicius

Os Novos Biblebusters





No último dia 03/05 estreou nos cinemas brasileiros o filme Paulo – Apóstolo de Cristo sobre a vida de Paulo de Tarso - ou São Paulo para os íntimos - , curiosamente na mesma época que uma polêmica produção nacional de cunho religioso,  Nada a Perder, narrando a trajetória do fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, o Bispo Edir Macedo. Não entrarei em debates religiosos aqui, nem farei críticas aos filmes (pois ainda não assisti nenhum dos dois), mas estas duas produções competindo por salas brasileiras me chamaram a atenção para uma tendência de mercado que eu já vinha notando há algum tempo.

Houve um tempo em Hollywood em que a Bíblia era sinônimo de cinemão. Grandes e caríssimas produções épicas como Os 10 Mandamentos (o clássico de 1956, não o da Record), Ben-Hur (o de 1959, não o remake) e Quo Vadis (1951) são alguns exemplos famosos – além de centenas de adaptações da vida de Jesus Cristo que você deve conhecer. Todas cheias de cenas clássicas e Oscares acumulados. Porém, esse tempo acabou no mercado cinematográfico e foi substituído por outras modas que também tiveram seus auges e seus fins. É o caso dos faroestes, os filmes de espionagem, de guerra, de terror, ficções científicas,  de “câmera na mão” e agora de super-heróis. Este é um movimento natural do cinema e costuma refletir muito bem o sentimento que a sociedade que consome estes filmes está vivenciando na época.

A década de 1950, onde foram produzidas todas as obras que mencionei acima, era o mundo pós II Guerra, ascensão da globalização norte-americana e início da Guerra Fria. A população ainda estava em choque, buscando forças para se reerguer e sobretudo com muito medo. Havia inimigos claros e convenientes definições maniqueístas de bem e de mal. Ora, onde podemos encontrar grandes histórias épicas cheias de sofrimento e superação, aliadas à noção de que o bem, ainda que demore, sempre vencerá o mal, capaz de inspirar os corações de um povo que ainda sente as dores da guerra e teme pelo próprio futuro? Na Bíblia, claro!

Pois bem. Com o tempo as coisas se estabilizaram e este tipo de história ficou um pouco fora de moda – mesmo ainda hoje havendo aproximadamente 1/3 do planeta que se defina como cristão e contando comigo inclusive. As produções de cunho religioso nunca sumiram, todavia ficaram relegadas a produções muito pequenas e que raramente chegavam aos cinemas brasileiros. Países como Itália e Espanha nunca pararam de fazer filmes contando histórias de santos com altos e baixos de qualidade, e de tempos em tempos alguns pequenos sucessos apareciam no meio dos blockbusters do verão (como foi o caso do fenômeno “Deus não está morto” de 2014).

Mas o que fisgou o meu olhar para esta questão foi justamente o retorno tímido deste tipo de produção nos últimos anos nas mãos dos poderosos estúdios da indústria. De 2014 para cá nós tivemos seis filmes de altíssimo orçamento que beberam de sagas bíblicas em seus roteiros: Noé (Darren Aronofsky, 2014), Exodo – Deuses e Reis (Ridley Scott, 2014), Filho de Deus (Christopher Spencer, 2014), Ressurreição (Kevin Reynolds, 2016), O Jovem Messias (Cyrus Nowrasteh, 2016) e finalmente Paulo – Apóstolo de Cristo (de Andrew Hyatt, 2018) - dentre outras menores.

Estes filmes contam com nomes importantes como Ridley Scott (de Alien e Prometheus) e Darren Aronofsky (de Cisne Negro e Mãe!) na direção e atores premiados como Russel Crowe (Gladiador, 2000), Christian Bale (Batman Begins, 2005), Sean Bean (O Senhor dos Anéis, 2001) e Joseph Fiennes (Shakespeare Apaixonado, 1999) em seus elencos. Embora possamos questionar aspectos teológicos em todos eles – caso queiram – sugiro focar na necessidade de mercado que eles estão atendendo. O que será que aconteceu conosco nos últimos 5 ou 10 anos que nos fez querer as histórias bíblicas de volta? Será que novamente estamos cansados de alguma batalha e com medo do que está a nossa frente? Por que, novamente, meio século depois, os grandes estúdios voltaram a ver em histórias que falam de sofrimento humano e salvação divina um investimento – se a tendência que se apresenta cotidianamente diz o contrário?

Minha singela teoria é a de que a tela de cinema novamente está funcionando como um espelho dos anseios da gente. Vivemos tempos estranhos e extremos no que tange aos humores, sensibilidades e noções de certo e errado - de novo. Quer você assuma ou não, as narrativas bíblicas foram e são fundamentais para edificar o que hoje nós entendemos como a "nossa sociedade" e são cheias de histórias que falam, acima de qualquer outra coisa, sobre esperança.

Nós estamos completando o aniversário de 10 anos de maior crise financeira da nossa geração (a crise de 2008) e de todas as outras crises que vieram depois como ecos dela. Crescemos acreditando que tínhamos o mundo em nossas mãos, mas o futuro chegou e tudo que construímos foram inseguranças e ansiedades. Por consequência, estamos nos aproximando de ódios e medos que já deveríamos ter superado e a nuvem da guerra voltou a nos ameaçar. O que quero dizer com tudo isso é que se Hollywood mais uma vez está nos vendendo esperança, superação e amor na forma de grandes biblebusters, pode significar que seja disso mesmo que estejamos precisando no nosso dia-a-dia. Não na sala de cinema, mas na padaria, no ônibus, na escola, no trabalho...

A sala escura sempre cumpriu o papel de jogar uma luz sobre nós mesmos e levar-nos, assim, à sempre bem vinda auto-análise. Por isso antes de reclamar que a sua Tia Cremilda está te chamando pra ver "filme de Igreja" toda semana, ou simplesmente passar alheio a esta tendência, vamos nos voltar para nosso umbigo e tentar entender o porque de precisamos de filmes assim neste momento - e nem precisa gostar da Bíblia para refletir um pouquinho sobre isso. Que assim seja, amém,










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